Proposta (de Lei n.º 339/XII) alteração Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro
Exposição de Motivos
A Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, alterada pela Lei n.º 31/2003, de 22 de agosto, assume particular importância no ordenamento jurídico português, coordenando a ação das entidades competentes, na efetiva promoção dos direitos e proteção das crianças e jovens portugueses. A promoção dos direitos e a proteção da criança configuram pressupostos estruturais da afirmação de uma nova cultura da criança enquanto sujeito de direito. Estes princípios de promoção e proteção da criança decorrem da Constituição da República Portuguesa e são assumidos, igualmente, na Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, aprovada em 8 de junho de 1990 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, de 12 de setembro. Decorridos mais de 20 anos desde a entrada em vigor da referida Convenção, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 37/2013, de 11 de junho, determinou a abertura do debate tendente à revisão do sistema de promoção e proteção de crianças e jovens em perigo e do regime jurídico da adoção, com vista a ponderar os aspetos que merecem melhorias para o reforço da sua capacidade de organizar e realizar uma intervenção preventiva e de proteção tempestiva junto das crianças e jovens.
Para o efeito, foram constituídas duas comissões integradas por representantes dos departamentos governamentais e das entidades da economia social, com especiais responsabilidades no sistema de promoção dos direitos e proteção de crianças e jovens. Em cumprimento dos objetivos estabelecidos e em observância das recomendações constantes da referida Resolução do Conselho de Ministros, a comissão responsável pela operacionalização do debate especificamente dirigido à revisão do sistema de promoção e proteção das crianças e jovens em perigo também procedeu à auscultação de entidades e personalidades relevantes na área da infância e juventude, com profícua participação dos visados. Muitas das sugestões apresentadas nesse contexto vieram a ser incorporadas, pela comissão, no projeto final que procede à segunda alteração à Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo. O projeto final apresentado pela comissão mantém as linhas fundamentais que caracterizam a matriz e os princípios do sistema de promoção e proteção das crianças e jovens em perigo. A Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo constitui o instrumento legal agregador de uma cultura de partilha de responsabilidades e de base comunitária, entre as diferentes entidades com especiais competências em matéria de infância e juventude, sendo igualmente potenciadora da transversalidade necessária na intervenção de proteção concreta junto das crianças e dos jovens. Volvidos 14 anos sobre a entrada em vigor desta lei e 12 anos após a introdução de uma pontual mas significativa alteração ao referido diploma, entende o Governo justificar-se a concretização da presente alteração à Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, capitalizando a experiência jurisprudencial, técnica e doutrinal obtida na aplicação prática do regime instituído.
A alteração agora introduzida constitui, desde logo, um contributo para a operacionalização do funcionamento das entidades competentes em matéria de infância e juventude, na organização deste primeiro patamar de intervenção, e procede à clarificação e reforço da articulação da intervenção de base no território, reforçando, igualmente, o papel das instituições do setor social na prevenção de situações de perigo para crianças e jovens.
Paralelamente, intensificam-se os níveis de comprometimento das entidades que integram a comissão de proteção de crianças e jovens, com reflexos, designadamente, na composição e operacionalização da sua modalidade restrita.
Por outro lado, procede-se a uma revisão profunda da matéria respeitante à prestação de apoio ao funcionamento das comissões de proteção por parte do Estado, mediante a clarificação, densificação e ampliação da prestação de apoio, quer na vertente logística, quer na vertente financeira.
Adicionalmente e de forma inovadora, cria-se um mecanismo que permite colmatar as dificuldades de funcionamento das comissões de proteção, quanto a recursos humanos, criando a possibilidade da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção de Crianças e Jovens celebrar protocolos relativos à afetação de técnicos de apoio às comissões de proteção, com as entidades de origem, representadas na comissão alargada.
Consagra-se ainda a possibilidade de redefinição das competências territoriais das comissões de proteção, através da criação de comissões intermunicipais, quando tal se justifique, por acordo entre municípios adjacentes, com o intuito de potenciar a qualificação da resposta protetiva a crianças e jovens locais.
O desígnio de fortalecimento das comissões de proteção no desempenho das respetivas atribuições determinou a densificação do estatuto do comissário, com reflexos ao nível da qualificação da função como serviço público obrigatório e com particulares incidências ao nível da qualificação do exercício da própria presidência.
Paralelamente, as alterações introduzidas em matéria de duração temporal dos mandatos dos comissários e presidente permitem o melhor aproveitamento do conhecimento e experiência especializados, da motivação e do perfil dos comissários, relevando ainda do acolhimento de recomendações emitidas pela Provedoria da Justiça, na matéria.
A possibilidade do exercício efetivo e a tempo inteiro do cargo de presidente da comissão de proteção pretende dotar as comissões de proteção de uma presidência capaz de assegurar a promoção de funcionalidades diversificadas, nomeadamente a concertação dos vários serviços da comunidade local e, bem assim, a vertente preventiva, a articular com a rede social.
As particulares dificuldades suscitadas na intervenção das comissões de proteção nos casos em que a situação de perigo que legitima a referida intervenção assume a forma de crime contra a liberdade ou a autodeterminação sexual, sendo a sua autoria imputável a uma das pessoas de cujo consentimento depende a intervenção das comissões, nos termos da lei, conduziu ao alargamento da intervenção judicial a tais casos, agilizando-se paralelamente, por tal via, a interação entre o processo-crime e o processo de promoção e proteção que passa a decorrer na instância judicial.
Por outro lado e reconhecendo-se que as circunstâncias do caso concreto possam, em qualquer caso, aconselhar a intervenção mais fortalecida do tribunal, cria-se uma válvula de escape do sistema, nos termos da qual se reserva sempre ao Ministério Público, representante supremo da defesa dos direitos das crianças e jovens em perigo, o juízo de oportunidade relativo à intervenção judicial de promoção e proteção, mesmo nos casos em que estariam reunidos os pressupostos para a intervenção da comissão de proteção.
Rentabilizando o contributo da doutrina e vindo ao encontro de necessidades profusamente manifestadas pelos operadores do sistema, designadamente no contexto da eficiente avaliação das problemáticas de perigo vivenciadas pelos beneficiários da intervenção, regula-se expressamente e no rigor pelas cautelas que se impõem a matéria de tratamento de dados pessoais sensíveis pelas comissões de proteção de crianças e jovens, no âmbito das suas atribuições.
No que respeita ao acolhimento de crianças e jovens, estabelecem-se as bases que permitam concretizar, em sede de regulamentação do acolhimento familiar e do acolhimento residencial, as mais recentes diretrizes em matéria de promoção e proteção de crianças e jovens em consonância com os princípios orientadores legalmente previstos, designadamente o princípio do superior interesse da criança, e em consideração pelo conhecimento científico e recomendações internacionais vigentes na matéria, tudo se concretizando nomeadamente na consagração da preferência que deve ser dada ao acolhimento familiar relativamente ao acolhimento residencial, em particular relativamente a crianças até aos seis anos de idade.
Coerentemente, enriquece-se o elenco de medidas de promoção e proteção, mediante a criação da nova medida de confiança a família de acolhimento com vista a futura adoção, viabilizando-se por esta via uma transição harmoniosa entre o acolhimento familiar e o projeto adoptivo.
Sublinha-se ainda, com particular relevância, a implementação de um mecanismo de alerta no sistema perante a possibilidade de intervenções temporalmente extensas, designadamente decorrentes da aplicação sucessiva de medidas de promoção e proteção, tendo em vista a avaliação pelo Ministério Público, do potencial comprometimento do tempo útil da criança, viabilizando-se assim a oportuna inflexão da estratégia de proteção traçada, com consequências ao nível do projeto de vida da criança.
São diversas as iniciativas de clarificação e densificação em matérias de tal carecidas, designadamente: circunscreve-se o âmbito das auditorias e inspeções às comissões de proteção, com ganhos de certeza e segurança para todos os operadores e benefícios ao nível da avaliação do sistema; distinguem-se claramente as situações de remessa de processo de promoção e proteção das situações de simples comunicações ao Ministério Público, com benefícios ao nível da agilização da intervenção; clarifica-se o regime relativo à reabertura de processo de promoção e proteção, potenciando a eficácia da resposta protetiva, e flexibilizam-se os pressupostos de instauração de processo judicial de promoção e proteção, melhorando-se o enquadramento do impulso processual por parte do Ministério Público.
As alterações introduzidas ao nível do processo judicial de promoção e proteção relevam essencialmente do propósito de agilização do processo, em ordem à oportunidade da resposta de proteção, bem como do reforço de garantias dos intervenientes processuais, há muito reclamado, inclusivamente pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Assim, acolhe-se em termos cautelosos a dispensa de debate judicial em sede de revisão das medidas de promoção e proteção, prescindindo-se do referido debate em todos os casos em que não esteja em causa a substituição da medida revidenda ou a prorrogação de execução de medida de colocação revidenda.
Por outro lado, consagra-se a previsão obrigatória de constituição de advogado ou nomeação de patrono aos pais da criança no debate judicial, sempre que esteja em causa a aplicação de medida de confiança com vista a futura adoção, conferindo-se, paralelamente, efeito suspensivo ao recurso da decisão que aplicou tal medida, com evidentes ganhos, designadamente, de segurança jurídica e estabilização do projeto de vida da criança beneficiária da intervenção.
Reforçam-se ainda as garantias dos intervenientes no processo mediante a previsão de uma norma sobre a notificação da decisão tomada no processo judicial de promoção e proteção.
A intervenção operada ao nível dos prazos de alegações e resposta dos recursos e, particularmente, do prazo de decisão do recurso da medida de confiança com vista a futura adoção relevam, designadamente, do propósito de imprimir celeridade à formação das decisões de adotabilidade definitivas.
Ainda em matéria de formação de decisões de adotabilidade, e acolhendo os contributos da comissão encarregue da revisão do regime jurídico da adoção, acautela-se, de modo inovador, a possibilidade de - em casos devidamente fundamentados e pressuposto que tal corresponda ao superior interesse da criança adotanda – ser judicialmente autorizada a manutenção de contactos entre irmãos, prevendo-se, de igual modo, a recorribilidade desta decisão, atribuindo-se a tal recurso efeito suspensivo.
Por último, consagra-se a possibilidade de aproveitamento, para efeitos tutelares cíveis, dos resultados proporcionados pelo processo de promoção e proteção, designadamente a obtenção de acordo tutelar cível, o que racionaliza e simplifica procedimentos, reduzindo significativamente a morosidade da justiça tutelar cível.
Atenta a matéria, em sede do processo legislativo a decorrer na Assembleia da República, devem ser ouvidos os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, a Procuradoria-Geral da República, a Provedoria de Justiça, a Associação Nacional de Municípios Portugueses, a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade, a União das Misericórdias Portuguesas e a União das Mutualidades Portuguesas.
Assim: Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.º Objeto
A presente lei procede à segunda alteração à Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, alterada pela Lei n.º 31/2003, de 22 de agosto.
Artigo 2.º Alteração à Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo
Os artigos 4.º, 5.º, 7.º, 9.º, 11.º a 15.º, 17.º a 26.º, 29.º a 33.º, 35.º, 37.º, 38.º-A, 43.º, 46.º, 49.º a 51.º, 53.º, 54.º, 57.º a 63.º, 68.º a 70.º, 73.º, 75.º, 79.º a 82.º, 84.º, 85.º, 87.º, 88.º, 91.º, 92.º, 94.º a 99.º, 101.º, 103.º, 105.º, 106.º, 108.º, 110.º, 111.º, 114.º, 118.º, 123.º, 124.º e 126.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, alterada pela Lei n.º 31/2003, de 22 de agosto, passam a ter a seguinte redação:
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